Trinta anos de um momento ímpar para o Basquete Feminino do Brasil. E Hézyo Sadu lembra como se fosse ontem o título mundial das mulheres brasileiras:
Uma conquista que coroou uma geração de ouro do basquete feminino brasileiro. Há 30 anos, no dia 12 de junho de 1994, a seleção de Hortência, Magic Paula e Janeth escreveu seu nome na história com a conquista do Mundial da Austrália. O trio anotou 70 dos 98 pontos do time.
Uma campanha marcada pela superação, apenas duas derrotas, com seis vitórias em oito jogos, incluindo um “jogo da morte” diante dos Estados Unidos na semifinal e uma revanche contra a China na decisão.
O Brasil estava longe dos holofotes, de dezesseis equipes o Brasil era apenas a décima primeira nas casas de apostas. O Brasil não dava uma entrevista sequer, mas voltaram como heroínas.
Foi emocionante a chegada delas, desde a saída do avião por uma porta alternativa até encontrar o saguão do aeroporto de Cumbica lotado, com familiares, jornalistas e torcedores carregando faixas e bandeiras. Uma festa que contou ainda com um desfile em carreata do Corpo de Bombeiros pelas ruas de São Paulo, da Marginal Tietê, passando pela 23 de Maio, Av. Paulista, Parque do Ibirapuera e outros pontos turísticos da capital paulista.
Foi lindo, foi emocionante. E isso em meio a uma copa do mundo masculina, também conquistada pelo Brasil, mas que em nenhum momento ofuscou o brilho dessa constelação brilhante das nossas estrelas do basquete feminino.
Era a consagração de uma geração que misturava jogadoras experientes em busca do protagonismo na seleção, jovens no garrafão e uma geração que sonhava com grandes conquistas. de Hortência, Paula e Janeth, o trio de ouro do quinteto titular que iniciavam as partidas e foram o termômetro da seleção.
Leila Sobral e a jovem Alessandra de Apenas 21 anos, completavam o quinteto titular, do Técnico Miguel Ângelo da Luz, que na juventude dos seus 34 anos, era visto pelos olhos da imprensa de todo mundo com desconfiança, por ter somente trabalhado com o basquete masculino e por se iria conseguir liderar atletas do calibre de Paula e Hortência (esta com a mesma idade do treinador) e teve que provar sua competência ao longo do mundial, ganhando confiança da delegação e jogadoras do Brasil.
Juntam se a este grupo, Helen Luz, Adriana, Simone, Roseli, Dalila e Cíntia Tuiu e a eterna Ruth, que nos deixou em 2021, vitima da COVID-19. Um grupo que marcou uma geração e vinham de um décimo lugar do último mundial e marcou início de uma nova era que culminaria com duas medalhas olímpicas (Prata em Atlanta 1996 e Bronze em Sidnei 2000). Nas Fases Classificatórias foram 4 vitórias (destaque para a sofrida vitoria contra a Seleção da Espanha, nos segundos finais, que classificou o Brasil para as semi finais) e 2 derrotas (Eslováquia e China) que colocaram a competência do treinador Miguel Ângelo da Luz em cheque.
Porém, as brasileiras estavam nas semifinais e na luta pelo lugar na final a fortíssima e favorita seleção dos Estados Unidos estava no caminho e claro este jogo seria, certamente, o maior desafio do Brasil na competição.
Mas a triade de heroínas da seleção: Hortência (32 pontos), Paula (29) e Janeth (22) tiveram uma atuação impecável na vitória por 110 a 107. As brasileiras registraram 42,9% de aproveitamento nas bolas de três pontos e 57,8% nas de dois contra 34,6% de três e 35,2% de dois das americanas.
Na final, a seleção brasileira enfrentou a China, que havia vencido o confronto na fase de classificação. Mas era o dia do Brasil, era o dia de Hortencia. Nem mesmo a grande atuação da gigante Zheng Haixia, de 2,04 metros, impediu que o Brasil vencesse por 96 a 87.
Conquista essa que quebra tabu e colocou o Brasil, o único de três países a se tornar campeão mundial, além de Estados Unidos e União Soviética. Para ser ter uma ideia, somente em 2006 a Austrália viria a integrar esse escasso grupo de campeões mundiais, valorizando ainda mais a conquista brasileira em 1994. A vitória na final diante da China fechou com chave de ouro uma campanha histórica, foi construída com muita dedicação.
“Quando falamos da conquista de um título, não podemos pensar só naquele momento. Pensamos em tudo o que envolveu a nossa preparação, física, tática e mental”, comentou Paula.
“O auge de maturidade que o time conquistou, de harmonia e de entendimento que, se nós quiséssemos ter um resultado diferente, nós precisávamos fazer mudanças, de humildade de todo mundo, principalmente da comissão técnica, que era um grupo mais jovem. Foi feita uma preparação incrível”, completou.
A Rainha Hortência pôde respirar aliviada depois daquela conquista. A sua geração havia marcado época.
“Eu sempre disse que um grande jogador, se não for campeão do mundo, nunca será completo. Quando eu realizei que realmente eu era campeã do mundo, foi uma emoção indescritível. A sensação é maravilhosa. O sentimento é de dever cumprido”.
Já Alessandra estava vivendo um momento mágico:
”Eu tinha de 20 para 21 anos na época e tinha a responsabilidade de estar entre as titulares, do lado das minhas “ídolas”. Eu era só uma jovem querendo mostrar o meu melhor. Foi tudo inexplicável, e a ficha demorou a cair. Só acreditei mesmo quando cheguei ao Brasil e vi aquela multidão no aeroporto, depois de 24 horas de viagem. Teve até carreata. Quando eu iria pensar que isso aconteceria comigo? Aquilo me marcou demais. Sou de São Paulo e passei por lugares que fizeram parte da minha vida, como o Parque Trianon, onde eu brinquei até os 5 anos. Nunca imaginei que seria jogadora de basquete, que ganharia um Mundial e desempenharia um papel na história.”
Janeth Arcain ressaltou a importância do momento:
“Voltamos no meio da Copa do Mundo de futebol, no ano do tetra do Brasil, mas a nossa conquista não foi ofuscada por isso. Eu estava aparecendo para o mundo e sendo reconhecida tanto na seleção brasileira como fora dela. Acabei indo depois para a WNBA. Orgulho de fazer parte disso.”
”A primeira coisa que vem à cabeça quando eu me lembro da conquista é a imagem da comissão técnica se abraçando na quadra, e eu tirando um papelzinho do bolso escrito: “Eu já sabia”. Éramos os azarões, desacreditados, mas vencemos a desconfiança e as dificuldades.
A filosofia era defender melhor, selecionar os arremessos e escolher o momento certo para os contra-ataques. Mesclamos a geração da Hortência e da Paula com um sangue novo. Era um grupo muito especial, de meninas talentosíssimas, que deixaram de lado a vaidade para pensar no coletivo. Ninguém tinha ganhado um Mundial além de Rússia eEstados Unidos
. Depois que ganhamos das americanas, criaram a WNBA
. Ninguém imaginava, só a gente acreditava. Quebramos todos os paradigmas. Analisou Miguel Ângelo. Uma geração que ficara marcada por este santo dia 12 de junho de 1994!