O futebol vive de certezas. A certeza do apito inicial, da bola que rola, do grito que ecoa na arquibancada. Mas, às vezes, ele se alimenta do oposto: da dúvida, do talvez, do silêncio que precede a tempestade. A seis dias do clássico mais importante do ano, a Toca da Raposa não pulsa com a euforia da preparação; ela sussurra em compasso de espera. O ar está denso, carregado pela incerteza que paira sobre os pilares de um time.
Não é apenas um jogo. É o clássico contra o Atlético-MG, a batalha que vale uma vaga na semifinal da Copa do Brasil. E o maestro Leonardo Jardim, em sua prancheta, não desenha táticas. Ele rabisca interrogações. Kaio Jorge, o artilheiro implacável do campeonato, trocou o sonho da Seleção pela maca da fisioterapia. Matheus Pereira, o cérebro, o camisa 10 que faz a engrenagem girar, sente o músculo reclamar, um alerta incômodo que o afasta do gramado. Wanderson, o ponta veloz, recupera-se de um trauma que, embora não grave, ainda dói.
São eles o coração ofensivo do Cruzeiro. Juntos, iniciaram 16 dos 22 jogos no Brasileirão. São a harmonia de uma orquestra que, agora, corre o risco de se apresentar sem seus principais solistas. O que resta quando a certeza se esvai?
Eis que, na sombra da dúvida, um nome ressurge. Um nome que carrega o peso do gol em sua essência: Gabigol.
Ele, que já foi o dono da área, o homem da última bola, hoje é a alternativa, a carta na manga. Desde que o faro de gol de Kaio Jorge se impôs, Gabriel se acostumou com o banco, com os minutos finais, com a missão de entrar e mudar um destino já traçado. Mas o futebol, em seus caprichos, lhe oferece um novo roteiro. A dor de um companheiro pode ser a sua porta de entrada.
Será ele o “9”, o finalizador? Ou o “10”, o pensador, ocupando a lacuna deixada por Matheus Pereira? A versatilidade, antes um trunfo tático, agora é uma necessidade existencial. Jardim olha para o banco e não vê apenas reservas; vê peças de um quebra-cabeça que precisa ser montado às pressas. Bolasie, Matheus Henrique, Marquinhos, Sinisterra… nomes que se agitam, prontos para o chamado.
A torcida, lá fora, não treina, não sente a dor na panturrilha, mas vive a mesma angústia. Ela especula, debate, escala seu time no bar, no trabalho, na alma. Confia em Gabigol? Aposta na recuperação dos titulares? O clássico não começa na quarta-feira, às 19h30. Ele já começou. Começou no departamento médico, na prancheta de Jardim, na cabeça de cada jogador e, principalmente, no coração de cada cruzeirense que, em silêncio, espera que a dúvida se transforme, enfim, em certeza. A certeza do gol, da luta, da glória.