Um golpe que destrói famílias e sonhos
A história de Cheikh Touré, revelada pelo The Guardian, expõe um fenômeno que cresce rapidamente em toda a África Ocidental e, além disso, revela como redes criminosas se aproveitam da ambição dos jovens atletas. Entretanto, o caso ganha ainda mais força porque mostra, de maneira direta, a fragilidade de famílias que enxergam no futebol uma rota para escapar da pobreza. Assim, promessas que parecem oportunidades reais se transformam, com frequência, em armadilhas fatais. Por isso, o episódio envolvendo Touré funciona como alerta urgente sobre um problema que, enquanto isso, continua avançando sem controle.
Touré, de 18 anos, deixou Dakar acreditando que faria testes no Marrocos. Entretanto, foi levado para Gana por uma quadrilha que opera entre fronteiras e usa a esperança dos jovens como ferramenta de extorsão. Sua mãe, Diodo Sokhna, recorda que a última conversa com o filho já mostrava sinais de desespero. “Ele parecia abatido, sem o otimismo de antes”, diz ela. Depois daquela ligação, o silêncio tomou conta. As mensagens enviadas por WhatsApp não passavam do primeiro tique. Logo depois, um homem com sotaque estrangeiro ligou e anunciou, friamente, a morte de Cheikh. “Eu gritei. Meu filho estava morto e eu estou arrasada. Eles mataram meu único filho.”

+ Leia Mais: Justiça amplia bloqueio em ação do Flamengo contra a Libra
O mecanismo de uma armadilha crescente
A quadrilha exigiu resgates sucessivos da família. Touré havia pago 220 mil francos CFA aos supostos agentes antes de viajar. Entretanto, já em Gana, os sequestradores ordenaram que ele pedisse mais dinheiro. “Faça o que puder para me enviar”, implorou o jovem ao telefone. Sokhna conseguiu enviar 500 mil francos CFA e, depois, mais 150 mil. Mesmo assim, o contato cessou.
Dias depois, o corpo de Cheikh foi deixado em um hospital de Kumasi. A versão dos criminosos dizia que ele havia sofrido um acidente de carro. Contudo, a polícia local encontrou marcas de violência no pescoço e no estômago. A Federação Senegalesa de Futebol confirmou que autoridades de Senegal e Gana investigam o caso, reforçando que tudo aponta para uma “rede fraudulenta de recrutadores”.
Embora o número total de vítimas seja incerto, estudos apontam que o golpe se expande. Uma pesquisa da Fifpro, realizada em 2023 com mais de 250 jogadores africanos, revelou que 70% deles receberam propostas não solicitadas de agentes. Além disso, mais da metade nunca realizou os testes prometidos. Esse padrão mostra como jovens são atraídos por falsas promessas de salários altos e acesso ao mercado europeu.
O impacto social e a engrenagem do engano
Segundo especialistas citados no The Guardian, grupos criminosos se aproveitam da precariedade econômica e da influência cultural do futebol europeu. O pesquisador Abdelkader Abderrahmane explica que alguns campeonatos do norte da África são vistos como rotas de entrada para clubes europeus. Entretanto, essas expectativas criam vulnerabilidade. “As famílias acreditam que estão ajudando seus filhos. Porém, sem perceber, os empurram para perigo extremo”, afirma.
O jogador zimbabuano Marshall Munetsi reforça que a crise é profunda. Ele relatou que jovens chegam à Europa abandonados nos aeroportos, sem clube e sem qualquer assistência, enganados por agentes que desaparecem após receber o pagamento.
Para Sokhna, a dor é incomparável. Ela lembra o amor do filho pelo esporte e sua vontade de transformar a vida da família. “Tudo o que lhe interessava era o futebol”, diz. Em seus vídeos no TikTok, Cheikh aparecia treinando, sempre com dedicação. Em todas as postagens, apenas duas figuras se repetiam: ele e sua mãe. “Ele queria que eu fosse saudável e rica, que viajasse para Meca. Ele era um bom filho.”
Siga o Sintonia Esportiva no Instagram! @SintoniaEsportiva




